I – Princípio da proteção
Informa que o Direito do Trabalho guarda em si, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma rede de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o empregado – almejando suavizar, no plano jurídico, o desequilíbrio no plano real do contrato de trabalho.
A ideia de proteção permeia todos os segmentos do Direito Individual do Trabalho, influenciando na própria gênese, a construção e desenvolvimento deste ramo jurídico. Há ampla predominância de regras essencialmente protetivas, tutelares da vontade e de interesse eminentemente favoráveis ao trabalhador – na busca pelo equilíbrio – a prover a mesma vantagem jurídica entre as partes do contrato laboral. Pode-se afirmar que tal Direito nem se justificaria histórica e cientificamente sem a ideia protetivo-retificadora.
Além dos três principais desdobramentos do princípio protetivo, quais sejam o princípio in dubio pro operário, o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica, a noção de tutela obreira abrange também os demais princípios especiais do Direito Individual do Trabalho – entre eles o da imperatividade das normas trabalhistas, da inalterabilidade contratual lesiva, da continuidade da relação de emprego, da irretroação das nulidades, etc.
O grande objetivo principiológico aqui é retificar juridicamente uma diferença prática de poder e de influência econômica e social apreendida entre empregado e empregador.
II – Princípio da norma mais favorável
Impõe-se ao operador do direito a adoção da norma mais favorável ao trabalhador diante de três situações distintas: no instante da elaboração da regra; quando há confronto entre regras concorrentes; e na interpretação das regras jurídicas. Atua-se, desse modo, em tríplice dimensão: informadora, interpretativa/normativa e hierarquizante.
Na chamada fase pré-jurídica, ante o processo legislativo, o princípio tem função essencialmente informativa, agindo como fonte material jus trabalhista. Na fase jurídica, após construída a norma, torna-se critério de hierarquia de regras jurídicas e de sua interpretação.
Pelo controle de hierarquia, permite-se triunfar em determinada situação de conflito entre regras, aquela que for mais favorável ao trabalhador.
Em razão da interpretação do Direito, abraça-se o que for mais vantajoso ao empregado, caso antepostas duas ou mais alternativas viáveis em face de uma norma jurídica enfocada – elegendo a que melhor realize o sentido teológico do Direito do Trabalho.
Quanto à hierarquização das normas, o encontro da regra mais favorável não pode se dar através de escolha tópica e casuística, aglutinando-se preceitos favoráveis ao empregado na criação de ordens jurídicas próprias e provisórias a cada caso concreto, mas sim preservar o caráter sistemático da ordem jurídica e sua cientificidade, enfocando globalmente o conjunto de regras e componentes do sistema.
Finalmente, em relação à interpretação, deve ela se concretizar de modo objetivo, criterioso, guiado por parâmetros técnico científicos à revelação da regra mais benéfica. Assim, somente após respeitados os rigores da hermenêutica jurídica, diante do contraponto de dois ou mais resultados interpretativos consistentes, é que procederá o intérprete a escolha final guiada pelo princípio da norma mais favorável.
III – Princípio da imperatividade das normas trabalhistas
Devem prevalecer no ramo juslaborativo o domínio das normas jurídicas obrigatórias em detrimento daquelas apenas dispositivas. Tais regras são, portanto, essencialmente imperativas, vendando-se, de maneira geral, regência contratual afastada pela simples manifestação das partes.
Por este princípio a autonomia da vontade fica limitada no contrato trabalhista, em contraponto à diretriz civil de soberania das partes no ajuste das condições contratuais. A citada restrição funciona como instrumento assecuratório de garantias fundamentais em face do desequilíbrio de poderes entre empregado e empregador.
Com a reforma de 2017, relativizou-se em parte a obrigatoriedade de certas normas trabalhistas, permitindo ao particular que ajustasse avenças antes imutáveis. Todavia, a CLT/2017 ainda continua majoritariamente imperativa e nos termos de seu Artigo 9º serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação de seus preceitos.
IV – Princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas
Também chamado de irrenunciabilidade de direitos, traduz a inviabilidade de o empregado dispensar, por sua simples manifestação de vontade, as proteções e vantagens que lhe asseguram a Lei e o contrato de trabalho, seja este tácito ou expresso.
O empregado não poderá, por exemplo, desistir do salário em razão de dificuldades financeiras pelas quais passa o empregador, aos seus depósitos do FGTS, ao 13º salário, ao repouso semanal remunerado, ao gozo de férias, ao intervalo intrajornada, etc. Ainda que o empregado firme um documento com tal previsão, isso não teria validade legal e as diferenças não pagas poderiam ser cobradas do mesmo jeito na Justiça do Trabalho.
A irrenunciabilidade aos direitos trabalhistas se faz num dos mais importantes veículos, no plano jurídico, para igualizar a assimetria clássica entre as partes da relação socioeconômica de emprego.
Em 2017 relativizou-se em parte a indisponibilidade de certos direitos trabalhistas, permitindo ajustes contratuais mais amplos. Entretanto, a CLT/2017 ainda mantém grande parte de seu caráter irrenunciável.
V – Princípio da condição mais benéfica
É um princípio essencial à garantia de preservação, ao longo do pacto laboral, da cláusula mais vantajosa ao trabalhador. Reveste-se da característica de direito adquirido (Artigo 5º, XXXVI, CRFB/88) sendo que, entre uns e outros dispositivos contratuais concorrentes, deverá prevalecer aquele mais favorável ao empregado.
Não se trata do contraponto entre normas ou regras, mas de cláusulas contratuais, tácitas ou expressas.
Para ilustrar citamos o Artigo 468 da CLT/2017, donde nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem direta ou indiretamente prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Também a Súmula n.º 51, I do TST, impondo que as cláusulas regulamentares que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento interno do empregador.
Pode-se concluir que o princípio da condição mais benéfica se traduz na manifestação da inalterabilidade contratual lesiva – que é também um importante aspecto do Direito do Trabalho.
VI – Princípio da inalterabilidade contratual lesiva
A noção genérica de inalterabilidade dos contratos se adaptou ao ramo justrabalhista de modo que o Direito do Trabalho não limita, mas pelo contrário, até incentiva as alterações contratuais favoráveis ao empregado, tendendo estas a serem naturalmente permitidas. Por outro lado, veda-se com rigor mudanças, mesmo bilaterais, que resultem danos ao trabalhador no âmbito laboral.
A exemplo temos os Artigos 444 e 468 da CLT/2017 que trazem o seguinte texto, respectivamente: As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes; Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
É assim, pois no Direito do Trabalho o empregador assume os riscos do empreendimento, independentemente do sucesso ou do fracasso que possa advir. As obrigações trabalhistas permanecem intocadas mesmo que a atividade econômica tenha sofrido revezes externos à atuação empresarial, como crises econômicas: global, nacional ou setorial e mudanças nas políticas industrial, cambial, etc.
O princípio da inalterabilidade contratual trabalhista não é absoluto, admitindo-se em determinadas situações alterações potencialmente lesivas, autorizadas implícita ou explicitamente por Lei, tais quais o previsto no Artigo 7º, VI da CRFB/88 e no § 1º do Artigo 468 da CLT/2017, que tratam da redução de salário mediante negociação coletiva e da reversão do exercício do cargo de confiança para o efetivo – anteriormente ocupado.
VII – Princípio da intangibilidade salarial
O salário merece garantias diversas da ordem jurídica, que assegurem o respectivo valor, montante e disponibilidade em prol do empregado. Deriva de seu caráter alimentar que atende às necessidades básicas do ser humano: aquisição bens e serviços, para prover-se de moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte, etc.
Obviamente o reconhecimento social pelo trabalho não se limita ao salário e seu poder e compra, já que envolve outras vertentes ligadas à ética, à cultura, às múltiplas faces do poder, ao prestígio comunitário, à realização pessoal e familiar. Mas é o salário a mais relevante contraprestação pelo trabalho empregatício, e, nesse aspecto, fazem-se necessárias salvaguardas jurídicas diante da oposição de interesses que o possa prejudicar, justamente para assegurar a própria dignidade da pessoa humana ao empregado.
O princípio da intangibilidade salarial toma várias direções: garantia do valor do salário (piso salarial convencional por exemplo); garantias contra mudanças contratuais e normativas que provoquem a sua redução; garantias contra práticas que prejudiquem o seu efetivo montante, como descontos em folha não autorizados; e garantias contra interesses divergentes de credores diversos (impenhorabilidade do salário).
Ressalte-se, para concluir, que as garantias salariais acolhem restrições, como é o caso Artigo 7º, VI da CRFB/1988, o qual permite a redução do salário mediante convenção ou acordo coletivo; o Artigo 462 da CLT/2017, que autoriza descontos salariais sob certas circunstâncias; o Artigo 833, § 2º do CPC/2015, donde a impenhorabilidade do salário não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia.
VIII – Princípio da primazia da realidade sobre a forma
Conforma-se na própria razão de existir do Direito do Trabalho. Por ele se preconiza que a forma – documentos, anotações, murais, nomenclaturas – jamais poderá se sobrepor ao conteúdo – cotidiano, expectativas de trabalho, costumes, condições mais favoráveis. Ou seja, o contrato de trabalho é um contrato-realidade e o que importa para a sua resolução no Poder Judiciário é a verdade de fato e não a dos documentos.
O Princípio admite, por exemplo, o contrato de trabalho tácito, dispensando-se as formas escrita e verbal de celebração.
Noutra vertente, o Juiz do Trabalho e respectivas autoridades fiscalizadoras podem declarar uma relação de emprego, mesmo que as partes não queiram e ainda que suas vontades estejam amparadas por contratos escritos, como no caso da famosa terceirização ilícita com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na CLT/2017.
O Princípio da Primazia da Realidade também interfere no dia a dia dos contratos, quando atribui presunção relativa de veracidade a holerites e cartões ponto, permitindo a produção de provas em sentido contrário, sob qualquer fundamento, para demonstrar, por exemplo, o pagamento de salário extra folha ou a prestação de labor extraordinário além do que fora registrado.
Ademais, determina a primazia da realidade o enquadramento sindical, independentemente da ficha de registro do empregado ou de para qual entidade foram feitos os recolhimentos sindicais, uma vez que a atividade econômica da empresa pode mudar ao longo do tempo sem a correlata formalização das alterações, devendo prevalecer no contrato de trabalho o que realmente se pratica e não o que se diz praticar.
Já na equiparação salarial, as funções executadas é que determinam qual a natureza do trabalho e não o nome do cargo, por exemplo, quando dois empregados de cargos distintos exercem conteúdos laborais idênticos, mas a remuneração difere de um para o outro.
No tocante às denominações das rubricas de parcelas pagas no contracheque, o que verdadeiramente importa é sua natureza. Desta feita, ainda que o empregador pague ao funcionário gratificações e comissões mensalmente sob a denominação de ajuda de custo ou auxílio alimentação, considera-se a finalidade de determinado pagamento, e, havendo o seu desvirtuamento, integrará o salário para todos os efeitos legais.
IX – Princípio da continuidade da relação de emprego
Interessa ao Direito do Trabalho a perenidade da relação de emprego, com a integração do empregado na estrutura e dinâmica empresariais, e, somente assim, tal ramo jurídico poderia cumprir satisfatoriamente seu próprio objetivo teleológico que é justamente assegurar melhores condições, sob a ótica obreira, de pactuação e gerenciamento da força de trabalho.
A permanência da relação de emprego gera três repercussões favoráveis ao empregado: a elevação tendencial dos direitos trabalhistas, seja pelo avanço da legislação, da negociação coletiva ou ainda pelas conquistas contratuais alcançadas pelo trabalhador em vista de promoções recebidas ou vantagens agregadas em decorrência do tempo de serviço; investimento educacional e profissional ao qual se inclina o empregador em realizar em prol dos trabalhadores vinculados a longos contratos; e afirmação social do indivíduo favorecido pelo contrato trabalhista de longo prazo, pois lhe traz lastro e segurança econômica.
Entre as manifestações legislativas nos contornos do princípio da continuidade da relação de emprego, temos o Artigo 7º, I, III e XXI da CFRB/1988, donde prevê-se que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; fundo de garantia do tempo de serviço; e aviso prévio proporcional ao tempo de serviço. Ademais, a Súmula n.º 212 do TST traz que o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.
Por consequência, tornam-se exceptivos os contratos a termo, que podem ser pactuados apenas nas estritas hipóteses legais, como naquelas do Artigo 443 da CLT/2017, em que se considera como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado, da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada, sendo válido somente quando se tratar de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; de atividades empresariais de caráter transitório; ou de contrato de experiência.
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